sexta-feira, 29 de novembro de 2013

No Fundo do Armário: Adaga Negra


Conta a lenda da tribo Essex que foi em um dia comum que o pior pesadelo de seu povo aconteceu. O chefe da tribo, Kassim, estava se preparando para mais um ritual mensal da Adaga Negra, símbolo do deus Zafir. A tribo acreditava que, se o chefe não realizasse esse ritual, uma maldição iria cair sobre todos que ali viviam. Uma maldição tão terrível que ninguém nunca havia ousado pronunciá-la. E Zafir já havia sido expulsado da tribo uma vez, apesar de que os habitantes da mesma não sabiam que era ele.

Ainda faltavam duas horas para o sol se pôr e Kassim estava preparando seus utencílios habituais, que sempre utilizava nos rituais. Porém, a filha do chefe, Aida, estava para dar a luz ao próximo herdeiro da tribo, que ela tinha certeza ser filho de um estrangeiro que havia conhecido um ano antes. Claro que a garota, com medo do que podia acontecer, não havia dito nenhuma palavra sobre o parto ser feito exatamente no dia e na hora do início do ritual da Adaga Negra. Boatos haviam sido espalhados de que a criança que nascesse nesse momento, causaria a desgraça da tribo

Aida sabia que estava chegando a hora de dar a luz, Zafir havia lhe dito, em um sonho, que seria assim, que ela nada podia fazer. Mas a criança ainda não podia nascer! Não naquele dia. Não naquela hora. A jovem moça esperou até que o pai estivesse distraído com o ritual e fugiu com uma canoa para um lugar onde ela tinha certeza de que ninguém nunca a encontraria. Ela sabia que nunca mais veria o pai e que, provavelmente, teria o mesmo destino de sua mãe: hemorragia durante o parto. Aida já estava desesperada quando uma voz e uma figura negra e tremeluzente sussurrou perto de seu ouvido:

- Porque choras, meu amor? Porque não está feliz quando vai dar a luz ao nosso filho? Não devia estar feliz por saber a experiência de ser mãe?

A figura se aproximou e, aos pouco conseguiu acalmar a jovem, que ainda não sabia de quem se tratava. O céu já estava escuro, e sua visão estava embaçada, mas Aida sabia que era a voz de um homem. Não, não a voz de um homem comum. A voz era metálica e não havia nada além de prazer por ver a dor da garota. Com um susto, Aida conseguiu descobrir quem era.

- Gerard! - exclamou ela.

O homem inclinou de leve a cabeça. Era o estrangeiro pelo qual ela havia se apaixonado.

- Ora ora, Aida. Ainda não me reconhece como realmente sou?

A garota estreitou os olhos e não teve como conter um grito de pavor quando percebeu quem era seu amado.

- Zafir! 

O deus soltou uma gargalhada e se transformou novamente em Gerard. - Minha querida, pensou mesmo que eu iria abandoná-la com meu único filho? - ele riu novamente. - Como é ingênua. Agora levante-se.

Aida estava tão assustada com o que via que não conseguiu se mover. Lágrimas brotavam de seus olhos, escorrendo por seu rosto e molhando seu vestido. Ela sabia que tudo indicava que o deus havia feita com que ela acreditasse que ele a cortejou e a amou, era para arruinar a tribo. Zafir era o deus do caos, da tristeza, da humilhação, da destruição. Não se podia esperar nada mais.

- Levante-se! – repetiu ele, exaltado.

A jovem obedeceu no mesmo instante, apesar da dificuldade. Então ela gritou. O ritual havia começado. Aida não sabia que, se o ritual fosse realizado antes da criança nascer, ambos morreriam. Zafir lançou um olhar de fúria para onde ficava a tribo. Ele não podia perder seu herdeiro, sua pequena máquina de destruição! Se ele ao menos pudesse...e com um estalo, percebeu que podia.

- Vamos.

Zafir agarrou a mão de Aida e a fez entrar na canoa, que agora estava escura, estranha, sombria. O deus não fez o caminho em direção a tribo. Ele levou Aida para dentro de uma caverna que havia em uma das extremidades do rio.

Passaram-se três horas antes do bebê nascer. Felizmente, para Aida, Zafir e o recém-nascido, o ritual durava de quatro a cinco horas. Mas o deus urrou. Algo havia saído errado. A jovem havia morrido de hemorragia, como sabia que aconteceria, mas não era isso que preocupava Zafir.

- É uma garota! – gritou ele.

A raiva mais uma vez cruzou sua face. Não era aquela a criança que espalharia a ordem de seu pai. Não podia ser! O deus teve vontade de se desfazer da criança, mas teve uma idéia melhor. A profecia havia sido cumprida. Talvez, só talvez essa podia ser a herdeira que vingaria seu pai. A maldição não especificava o sexo da criança. Aquela podia ser a criança que destruiria a aldeia pelo que fizeram a seu pai!

Zafir se encantou com a idéia e decidiu criar a criança consigo em um local escondido. Durante quinze anos ele a treinou e durante esses mesmos quinze anos, a tribo procurou por ela e por sua mãe. Mas foi no dia de debutante da garota que a maldição realmente se concretizou. Ela destruiu a tribo, colocou fogo nas casas e matou cada um dos habitantes. Quando voltou para os braços de seu pai, como recompensa, ele a transformou na deusa da discórdia.

Porém ela não sabia que sua tia Sila, irmã de Aida, tinha conseguido fugir. Ela sabia que o bebê de sua irmã era a criança da maldição. Mas ninguém acreditou na jovem, que fugiu, um dia antes do ataque.

Dizem que a filha ou filho de Sila é quem vai restaurar a paz e reconstruir a tribo Essex. Há boatos de que, se o nome da criança de Aida for pronunciado, o caos reinará sobre a vida de quem o proferiu e a discórdia nunca poderá ser detida entre seus descendentes.

O nome da criança permanece oculto no Livro Sagrado da Adaga Negra. E todos esperam que ele nunca seja revelado.


Por: Bree

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